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Quatro décadas após lançar o elogiado romance Chongas, Eduardo Alves da Costa retorna ao gênero em Tango, com violino
Conhecido por seus contos e poemas, o escritor trata em seu novo livro sobre um tema que o acompanha: a velhice. Na obra, o estoicismo e a lucidez são o caminho escolhido contra a depressão do envelhecimento.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
Esses são os versos mais famosos do poema “No caminho, com Maiakóvski”, do brasileiro Eduardo Alves da Costa, cuja autoria costuma ser erroneamente atribuída ao poeta russo. Recentemente, um post no Facebook da Revista Bula tratava de desfazer o equívoco de sua autoria para os jovens leitores do século XXI.
Poeta (figura na antologia Os cem melhores poetas brasileiros do século), dramaturgo, contista e artista plástico com obras expostas na França e na Alemanha, Eduardo Alves da Costa volta à cena literária com um romance a ser publicado em maio pela editora Tordesilhas. Com o título emprestado de outro de seus poemas (publicado na antologia Salamargo), Tango, com violino descreve o dia a dia de Abeliano, um professor de história da arte aposentado que vive em um pequeno hotel localizado em um bairro decadente da cidade de São Paulo e envelheceu “ex abrupto, no momento em que se deu conta de que poderia viajar gratuitamente nos ônibus municipais”.
Abeliano desenvolve então o hábito de pegar ônibus ao acaso, sem saber para onde eles vão, e, ao fazê-lo, vai transformando a banalidade cotidiana em uma aventura que atribui importância a cada contato humano, a cada paisagem urbana –todos de passagem, inconsequentes, ligeiros. Alimentando-se do ver, do ouvir e das próprias elucubrações sobre o passado e o que ocorre ao redor, em todo ônibus que entra Abeliano vive um universo possível, um universo fugaz, que se desfaz a cada fim de viagem para ressurgir na próxima.
A maioria das obras que abordam a velhice enfatiza a doença, a depressão, a decadência, a derrota, mas Eduardo Alves da Costa preferiu o caminho do estoicismo, daqueles que não se entregam, que procuram manter a lucidez, substituindo a depressão pelo distanciamento irônico em relação ao mundo, à sociedade – e sobretudo a si mesmos. O romance não é uma narrativa orgânica, definida, clara, consequente, acabada. É antes um moto-perpétuo, um Bolero de Ravel cujo tema recorrente se acresce aos poucos de novos significados aparentemente insignificantes, de reiterações cujo resultado será, em última instância, a velhice irremediável, a morte, o esquecimento, ou, se assim preferir o leitor, o salto para a transcendência, para a manifestação do ser.
Os fatos se sucedem numa repetição que, aparentemente, não leva a parte alguma, o que reforça a situação dos personagens, suspensos numa outra realidade, na qual se tornam invisíveis, inexistentes, excluídos, uma espécie de limbo, pequeno universo mantido pela inteligência, pelo humor, pelo atrevimento de não só permanecerem vivos, mas agudamente lúcidos.
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Sobre o autor
Eduardo Alves da Costa nasceu em Niterói e veio para São Paulo com seus pais, aos dois meses de idade. Graduou-se no curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie em 1952. Organizou, em 1960, no Teatro de Arena, em São Paulo, uma das mais instigantes atividades culturais do período, as Noites de Poesia, em que eram divulgadas as obras de jovens poetas. Participou do movimento Os Novíssimos, da Massao Ohno, em 1962.
Autor de inúmeras peças de teatro e contos reunidos em diversas antologias, publicou seu primeiro, e até então único, romance em 1974, Chongas. O livro traz prefácio elogioso de Antônio Houaiss, que afirmou que o romance é dotado “uma escrita diabalmente aliciante."
Eduardo Alves da Costa é também artista plástico. Suas obras já foram expostas na Pinacoteca do Estado de São Paulo, na Galerie Dina Vierny, em Paris, na Galerie Kühn, em Berlim, e na Plusgalleries, em Antuérpia. Ele vive há sete anos na Vila dos Pescadores de Picinguaba, com Antonieta, sua mulher.
Sobre o Tordesilhas
Revisitando os clássicos com criatividade, lançando autores consagrados de tradições literárias pouco ou nada conhecidas por aqui, buscando novos talentos, disponibilizando literatura de entretenimento sem perder de vista a qualidade, o TORDESILHAS oferece um catálogo nada convencional e persegue o apuro na produção de seus livros, aparatando as edições, fixando textos com rigor, convidando especialistas e tradutores renomados. Seu compromisso é com a sensibilidade curiosa e investigativa.
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